Generalista ou especialista? Kubrick parece ter a resposta.
Que tipo de executivo contratar: Generalista ou Especialista?
Se estivesse vivo, Stanley Kubrick teria completado 90 anos no dia 26 de julho. Muito já se falou sobre este gênio do cinema e seu legado mas, talvez, poucos tenham feito paralelo entre a carreira do artista e o mercado corporativo. Em termos gerais, uma das grandes questões de recursos humanos é definir que tipo de executivo contratar: generalista ou especialista? Kubrick parece ter a resposta.
O diretor filmou apenas 13 longas-metragens, sendo que pelo menos sete de seus filmes se tornaram obras-primas reconhecidas e plenamente aceitas no meio artístico. Outras películas, no todo ou em parte, também se destacaram como pérolas cinematográficas. O mais instigante, de fato, é a variação de gênero que o cineasta vivenciou na profissão. Em Dr. Fantástico, fez comédia de humor negro. Spartacus, épico. 2001, expandiu o alcance da ficção. Uma odisseia no espaço! Com O Iluminado, intensificou o horror psicológico. Explorou a guerra em Nascido para Matar. Refinou a história policial em O Grande Golpe. É como se um executivo de marketing percoresse segmentos tão distintos como a indústria bélica, o comércio exterior, a inteligência artificial, hotelaria, recrutamento e seleção, loterias etc. Sempre com resultados bem acima da média.
Kubrick abordou diversos gêneros do cinema
assim como um executivo generalista atua em
diferentes segmentos de mercado.
E não é apenas na diversidade de estilos que Kubrick foi um generalista. Nos sets de filmagens atuava em outras frentes – fotografia, roteiro, efeitos especiais, montagem e produção. Também participava da direção de arte, da cenografia e da sonorização, com controle absoluto, embora os créditos fossem associados a outros profissionais atentos à sua batuta. Estudo conduzido por pesquisadores da Columbia Business School e da Tulane University com 400 executivos confirmou a vantagem daqueles que trazem um repertório mais amplo e eclético, com experiências diversas, tendendo a assumir posições de liderança mais rapidamente. No jargão do RH, Kubrick tinha habilidades multifuncionais (cross-functional skills).
Outra pesquisa, encomendada pela Microsoft e realizada pela International Data Corporation – IDC, empresa global de inteligência de mercado e consultoria, após avaliar 76 milhões de vagas de empregos, cravou que as oportunidades mais promissoras de ascensão profissional entre 2016 e 2024 exigirão competências multifuncionais em detrimento de habilidades técnicas e específicas, mesmo em áreas como TI, direito e saúde. A consultoria ainda apontou que nas 10 principais habilidades do profissional do futuro estão a orientação para o detalhe (detail oriented). O generalista não é um “superficialista”.
Relatórios de importantes universidades e
empresas americanas apontam as
competências multifuncionais como
habilidades essenciais do profissional do
futuro.
Mais uma vez Kubrick corresponde. Como um cientista de dados que cruza estatísticas, amostras e informações diversas do negócio para orientar estratégias mercadológicas, o cineasta americano ficou conhecido por seu perfeccionismo. Nas filmagens de 2001: Uma Odisseia no Espaço, desenvolveu a centrífuga que simulava os movimentos e efeitos de gravidade zero em uma estação espacial, muito similares ao que acontece na Estação Espacial Internacional construída 30 anos depois. O clássico que completou 50 anos este ano e que está sendo homenageado pelo Museu da Imagem e do Som – MIS em São Paulo, recebeu o Oscar de efeitos especiais. Para gravar Barry Lyndon, filme de época com locações na Inglaterra, encontrou na NASA a lente que permitiria a filmagem sob à luz de velas, com resultados estéticos jamais vistos e ainda não superados. A obra é uma referência estilística, inspirada em quadros do século XVIII, e transposta para as telas de cinema com rara beleza. Em O Iluminado utilizou os recursos da recém-inventada steadicam para obter planos-sequências fascinantes como nas cenas dos corredores e no labirinto do hotel Overlook.
Sempre na vanguarda da tecnologia, Kubrick
já abordava a inteligencia artificial, com o
computador HAL 9000, muito antes da
massificação deste conceito.
O reconhecimento pela gestão de atores é outro diferencial. Ao gravar inúmeras tomadas até a perfeição, Kubrick extraiu atuações icônicas de Peter Sellers, Sue Lyon, Malcolm McDowell, Jack Nicholson, Shelley Duvall e R. Lee Ermey. O desejo de trabalhar com o mestre fez o casal Tom Cruise e Nicole Kidman, o mais cobiçado na década de 90, dedicar-se exclusivamente ao filme De Olhos Bem Fechados, rejeitando qualquer outra oferta durante as gravações.
O ponto máximo da meticulosidade de Kubrick, no entanto, foi o projeto Napoleão. Embora não tenha sido viabilizado por limitações orçamentárias, o trabalho de pré-produção é considerado o mais perfeito já realizado. O livro Napoleon: The Greatest Movie Never Made (editora Taschen), sem tradução em português, de Alison Castle, revela o envolvimento do diretor na intensa pesquisa das locações, cenários, figurinos, elenco, cronologia dos fatos, textos históricos, cinematografia e no desenvolvimento dos argumentos e do roteiro para fundamentação da obra, o que gerou conteúdo e uma base de dados com aproximadamente 17 mil imagens relacionadas à era napoleônica. A intenção do filme, inacabado, fez a fama do diretor, completo.
Como um cientista de dados, Kubrick reuniu
conteúdo e 17 mil imagens para filmar a vida
de Napoleão Bonaparte.
A diversidade é um conceito poderoso e para profissionais generalistas, o conhecimento humano, em qualquer substância, forma ou amplitude é matéria-prima. Soma-se liberdade criativa e ousadia e tem-se o ambiente perfeito para o desenvolvimento de novos produtos, serviços e soluções nos negócios. O relatório da IDC ainda traz que a criatividade (creativity), também compõe o perfil do futuro executivo. Kubrick buscou nas outras artes elementos para enriquecer a sua própria. Escreveu seus filmes a partir da literatura de Nabokov, Clarke, Burgess, Thackeray, King, Schnitzler; orquestrou suas tramas com Strauss (Johann e Richard), Beethoven, Schubert, Haendel, Penderecki, Liszt, Ligeti; inspirou-se nas pinturas de Gainsborough, Reynolds, Chardin, Watteau, Chadowiecki para estabelecer o virtuosismo estético definitivo na sétima arte. Ganhou o reconhecimento dos estúdios, em especial da Warner Bros., que lhe conferia autonomia em troca do prestígio do diretor.
Kubrick buscou na diversidade de outras artes
elementos para enriquecer a sua própria.
Literatura, música e pintura abrilhantaram
a sua obra.
Conquistou a independência. Cativou o público. Impressionou a crítica. Generalista!
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